quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Instagreve


Estava eu em momento inspirador: atravessando a ponte Rio-Niterói, trânsito livre, aquela vista deslumbrante, no banco de trás ao lado da minha filha, ambas embasbacadas com aquela paisagem, quando me dou conta que minha mão se perde dentro das bolsa, retirando a atenção daquele momento, em busca da câmera do telefone. Não encontro na primeira tentativa, e insisto, já irritada, sem perceber que na janela, ao lado, a imagem está, pouco a pouco, saindo do meu ângulo de visão enquanto eu brigo com a minha bolsa que mais parece um buraco sem fundo. Quase derrotada, volto meu olhar novamente para a cena e penso “que se dane, quero aproveitar o momento”.

Não sou a única, certamente. Tenho reparado que a obsessão pela fotografia tem nos deixado menos presentes, como se fossemos uma versão retratada de nós mesmos, e só existíssemos, realmente, no mundo virtual. Opa, faz sentido isso?

Há tempos tenho reparado que pelos museus e pontos turísticos mundo afora as pessoas andam obcecadas com a melhor foto, o melhor ângulo, em prejuízo do momento em si, e, confesso, sou uma delas, mas em franca recuperação. Fotógrafos amadores e anônimos, somos um time.

A diversão mudou o foco, e agora além de viver temos que publicar o momento, e aguardar, ansiosos, pelos comentários que virão, sempre exultando nossas habilidades, nossa melhor pose, o melhor de nós. Nada de filtrar o que não merece ser visto, isso ainda guardamos a sete chaves.

E assim fotografamos cada passo da rotina, eternizando nosso ego, esse danado que nos vicia e nos seduz, mas pode, também, nos levar a ruína. Quem, de nós, nunca foi traído por ele?

Melhor guardarmos nossas câmeras, minha gente, e retirá-las da bolsa para momentos criteriosamente eleitos. No mais, façamos como eu que, aos quinze anos de idade, numa daquelas viagens cafonas de excursão adolescente pela Disney, quebrei minha máquina fotográfica no meio da viagem e fiquei absolutamente inconsolável no telefone com minha mãe, naquelas ligações relâmpagos, numa era pré-skype. Lembro que, naquela velocidade que éramos obrigadas a falar para evitar que a ligação telefônica ficasse mais cara do que a própria viagem (uma versão pré- anúncio do Ministério da Saúde ao final de alguns comerciais televisivos) minha mãe me disse: registra com a mente, filha, registra!

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Ai de mim


Eu falo sozinha.

Eu escrevo crônica e poesia e gosto de jardinagem.

Eu estudei italiano, ma non troppo.

Eu engravidei em Paris, num dia das bruxas. E pari uma leonina, nove meses depois.

Eu não sei desenhar, e nem gosto de dirigir. Só bicicleta, e com vento no rosto.

Eu aprendi a pintar minhas próprias unhas.

Eu gosto de comer besteira antes de dormir.

Eu nado dois mil metros por semana. Quase toda semana.

Eu rezo todos os dias indo para o trabalho.

Eu me dou bem com a solidão, mas gosto de gente também.

Ainda não decidi se prefiro praia ou montanha.

Viajar para mim é como um balão de oxigênio.

Eu suo demais.

Eu gosto de dias de chuva.

Eu conto minhas horas de sono.

Eu raramente esqueço um aniversário, ou um rosto conhecido.

Eu adoro bater palma. E amo dançar.

Eu tomo um gole de vinho, sozinha, quando a casa está escura. E uma garrafa, acompanhada, quando a casa está cheia.

Eu gosto do silêncio. Mas prefiro o dia a noite.

Eu gosto de pintura impressionista. E de música erudita.
 
Eu leio horóscopo e bula de remédio.

Eu choro em Óperas. E em filmes de amor.

Eu não gosto de andar de avião sozinha.

Eu acredito em Deus.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Luto

Nunca estamos prontos para a morte. Passamos a vida tentando entendê-la, tentando encontrar um sentido para o fim, ou buscando uma eternidade que nunca virá. A busca se resume a tentar prolongar nossa saúde, nosso convívio com quem amamos, numa vã tentativa de nos esconder de algo inexorável, que sempre nos alcança.

Fazemos prognósticos, estimativas, numa patética e desesperada insistência em controlar o imponderável.
  
A verdade é que não há quem esteja imune a este dia, e que, cedo ou tarde ele chegará para todos.
 
A racionalização do caos, daquilo que não controlamos, tão cara ao seu humano, nos empurra a analisar quando a morte pode ser esperada, até mesmo desejada ou quando ela seria uma abrupta interrupção, quase uma intromissão indesejada no caminhar do indivíduo.

 Normalmente, aos enfermos e sofridos, ela é benesse e alívio, mas aos jovens, aos que ainda produzem e tanto podem fazer pela sociedade, seria uma dura sentença, inesperada e irrecorrível. Talvez porque o sentimento de perda venha se somar, neste último caso, ao choque dos que não puderam se despedir. E a despedida, ainda que dolorosa, é, também, uma forma de nos conformarmos com o fim. Sem adeus, o fim é inaceitável, quase uma punição, a que todos estamos miseravelmente condenados.
 
Perder um amigo, a quem devotávamos empatia e admiração, no auge de uma vida plena, finalmente conquistada, com data marcada para a felicidade é provar deste fel.
 
Perder um amigo covardemente assassinado, no exercício de sua função recentemente conquistada, para a qual se preparou por toda a vida, é invadir a escuridão das dores incompreendidas. E lá permanecer, como uma noite profunda, esperando alguma luz se acender.
 
No dia em que o sol vier a brilhar saberemos que o fim na verdade é um meio e que esta estrada não foi interrompida como parece: o caminho é que mudou de direção.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Sinais de Deus


Ontem eu briguei com Deus. Eu pergunto, ele não responde. Ele fala, mas eu não escuto, e os tais dos seus desígnios andam me enlouquecendo.

O auge de uma provação me parece ser este, em que questionamos até nossas convicções mais profundas, mas, numa esquizofrenia emocional resistimos a descartá-las morrendo de medo do desafio de encontrar novas para ocupar o lugar vazio.

E assim vamos caminhando, esperando um sinal divino que hesita em aparecer.

Já passei da fase de achar que algo sensacional vai trazer a resposta que busco, que verei luzinhas piscando ou que renas aparecerão trazendo a boa nova. Eu realmente adoraria que estas cenas biblicamente possíveis, mas realisticamente improváveis viessem a acontecer, mas não é por esses sinais que os sinos do divino tocam. E é esse o problema. Como reconhecê-los se não são efusivos, se não nos embalam de uma forma tão arrebatadora que mal conseguimos respirar?

Tenho, ainda, parte da dúvida, e parte da certeza. Acredito que a resposta venha quando sentirmos que sim, chegamos ao lugar certo, é mais uma sensação e um conforto do que um milagre. Mas, para quem, como eu, ainda espera por milagres e sininhos tilintando seria metaforicamente como um sopro de esperança, um afago do espírito santo ou de quem lhe vista as vestes. Essa é a metade da certeza.

A outra metade, que ainda me revira e me aprisiona, é a de que se saberemos reconhecer esta resposta quando ela chegar, e, mais, se ela não chegar, como mudaremos de direção? Apontar que estamos no caminho errado é uma resposta incompleta, como sair dali se não soubermos para onde ir?   

Pergunto, mas respondo. Apostando nesta mesma intuição, que nos faz sentir que estamos onde devemos estar, e indo mais além, ao deixarmos esta zona de conforto que a certeza nos propõe e assumir o risco de escolher uma direção e seguir naquele caminho, mesmo sem saber onde ele vai dar. Se tudo der errado, voltar atrás, ou, mesmo dando certo, mudar a rota se assim o quiser.

E é disso que a vida é feita, afinal, certeza e dúvida, voltar e partir, idas e vindas, até o dia da partida final.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Mudança para quem?

Sempre fui uma pessoa questionadora, mas confesso que ando carregando dúvidas demais, e de dúvida em dúvida, a crise se instalou. Pessoas inquietas como eu normalmente são curiosas e não passam um único dia sem buscar mais informação, e, em tempos de informação instantânea, estamos ferrados. Explico.
Recentemente estamos sendo soterrados por uma avalanche de informação pasteurizada que seria uma versão 5.0 daqueles livros de auto-ajuda de outrora: são sites, blogs, livros, programas de televisão monotemáticos: descubra uma versão melhor de você mesma, arrisque, vá ao encontro dos seus sonhos. No início se confundia com mais uma jogada de marketing para vender revistas femininas, mas tem agregado tantos seguidores que não tarda a criar sua própria igreja, não duvidem. 
Nunca mais passaremos incólumes por uma melancolia passageira, uma crise no trabalho ou um problema no relacionamento, somos desafiados a todo o momento a enxergar nestas dificuldades, ainda que momentâneas, um sinal para mudar de vida. Propostas não faltam: largar tudo e dar uma volta ao mundo, ir atrás de um sonho que nutríamos aos doze anos de idade, morar em um país estrangeiro para um período sabático e por aí vai.  Pergunto aos navegantes recém egressos: E mudou tudo mesmo?
Reconheço que não podemos viver conformados, e que é motivador ouvir alguém falar da sua coragem em mudar de vida, mas será que precisamos, todos, de tanto radicalismo para nos reinventarmos?  Tenho a sensação que no mundo de hoje só pode ser feliz quem vive ousadamente, na contramão das convenções sociais, e que aquele que “sobrevive” a base de rotina, relacionamentos duradouros e férias uma vez por ano seria a encarnação do homem acomodado, o típico Homer Simpson cuja diversão máxima se limita a assistir futebol e tomar cerveja com os amigos. Mas, olha, há quem seja muito feliz assim, e que, não, obrigado, não precise mudar de vida.
Para aqueles que, como eu, tem seus dias de dúvida, há consolo. A felicidade, no meu modo de ver, não tem relação direta com as escolhas que você faz, mas com a maneira que você lida com elas. Pensar que para tudo na vida temos escolha é de um reducionismo asfixiante. Nem todo mundo pode viver como quer, é óbvio, seja por este ou aquele motivo, e, ainda que haja solução para quase tudo na vida, muitas vezes é mais enriquecedor permanecer onde estamos do que mudarmos de lugar. Mudar a si mesmo, conseguir enxergar sua realidade de modo diferente é infinitamente mais desafiador e complexo do que simplesmente mandar tudo as favas e ir morar numa casinha de sapê no alto da montanha.
E tem mais. Há infinitas possibilidades de insatisfação pessoal, e praticamente todas elas se refletem no seu ambiente de trabalho ou nos seus relacionamentos, o que não significa que efetivamente você esteja infeliz no trabalho ou no seu casamento. Existem lacunas existenciais que são preenchidas somente se descobrirmos algo que nos faça feliz como pessoa, e isso é uma tarefa para quase uma vida inteira. Da maneira como a história é contada até a infelicidade, que é própria da natureza, e que é um sentimento inato no ser humano (até bebês recém nascidos ficam tristes) transforma-se num inimigo que deve ser sempre debelado. Luta inglória essa em que não há vencedor.
É bem verdade que sou daquelas que não acredita em mudanças radicais em curto espaço de tempo, e alguns anos de terapia me mostraram que às vezes andar rápido demais nos faz esquecer para onde estamos indo, mas, ainda assim, louvo qualquer forma de atitude, e aplaudo aqueles que têm coragem suficiente para sair da casca e buscar outros caminhos, pelo motivo que for, mas precisamos ir devagar, o tema é sensível demais para ser industrializado e vendido em pacotes iguais nas prateleiras da internet.

 

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Vários Tons de Vida

Não tenho muito o que dizer hoje não, mas quero falar. Falar é terapia, gasta calorias, e balança minhas cordas vocais que andam murchas. Andam murchas, nada, preciso aprender a redigir sem a obrigação de usar adjetivos, mas não consigo, faço sempre isso, o tempo todo, no papel e na vida. Qualificar é um vício, e faz mal a quem quer que prove deste mal porque nos acostuma a enxergar lados opostos, e o que é pior, para quem, como é, sofre de insatisfação aguda, a nos enxergar sempre no pior dos lados.
Adjetivar ensina a polarizar o mundo, a criar uma relação binária em tudo, a simplificar o que é complexo.
Não existe apenas preto, branco, e só de cinza aprendi que são 50 tons. Mas nosso exercício diário de distribuir predicados desconhece a profundidade e comete alguns desatinos ao determinar superficialmente quem é rico ou pobre, quem é feliz ou triste, bonito ou feio. Pior, e se eu não me enquadrar no conceito triple A, e aí, como acordo amanhã? Como encaro o outro? Como sobrevivo?
Preciso do temperamento de viver sem julgar, deixando para trás os rótulos que eu mesma me esforço em vestir e em distribuir para quem quiser recebê-los. A dificuldade em ser assim é que o mesmo dedo que aponta para o outro, se volta para si mesmo, e se não estivermos confortáveis com as respostas que ele nos trará gastaremos um esforço extra para sair daquela prateleira e nos enfileirar na seguinte e ali permanecer até alguém nos adjetivar de novo e nosso ego nos obrigar a mudar de lugar. E assim, mudamos, mudamos e mudamos. Até que, já exaustos, paramos onde nos colocaram e ficamos ali, anos e anos, olhando para as latinhas vizinhas e seus rótulos empoladinhos e nos perguntando: “Mas, essa sou eu? O que estou fazendo nesta prateleira? ”
O que posso dizer além de saia logo daí antes que seja tarde, e encontre seu lugar no mundo? Um lugar para onde queira voltar todos os dias, com um sorriso no rosto e os braços abertos pela saudade.

 

 

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Meu bem, meu mal

Sou duas, duas em uma. Mas quem me conhece, nem desconfia. Leva a anjinha e ganha uma diabinha de brinde. E as duas vivem as turras.
Logo de manhã instala-se o ringue. Começo o dia numa aurora boreal, e mal atravesso a porta de casa já escuto vozes daquela que me persegue. Ela me faz reclamar mentalmente da demora do vizinho pouco apressado que me faz aguardar no elevador por pura educação católica, me provoca tremores de profunda irritação pela conversa que sou obrigada a travar com desconhecidos familiares que cruzam meu caminho diariamente num horário em que metade dos meus músculos ainda está adormecida, e a outra é empurrada a trabalhar. Ela me faz amaldiçoar o maquinista do metrô que resolve acionar o trem assim que eu, afobada, chego a estação e o vejo partindo.
Retomo a direção dos pensamentos, e a anjinha se apresenta a função. “Bom dia”, digo a ela, mentalmente, “por onde a senhorita andou?”.
Respiro fundo e volto a pensar que o dia será produtivo, que preciso controlar meus pensamentos, que serei uma garota boazinha, que não me excederei durante o dia, mesmo que tenha razões para isso.
Ajudo uma senhorinha a subir a escada rolante, sorrio para quem me cumprimenta, e atendo uma ligação insistente no celular sem irritação. Assumo o controle e chego ao trabalho, segura e orgulhosa da minha alma elevada.
Em pouco tempo, a danadinha pisca para mim, e reina absoluta, quando preciso resolver mais problemas do que sou capaz de administrar, xingando tudo e todos que atravessaram meu caminho naquele dia.
Game over. Lá vou eu para terapia novamente.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Do Que Eu Sei Do Amor

Amor é palavra de rima fácil, é aconchego em dia de chuva, é suor e é abraço, dia de sol com mormaço. 
Quando vem do passado, traz de volta a infância. Lembrança do amor de outrora, de criança, aquele a quem Platão legou seu nome.
Amor de noiva, da espera em ser sua, de coração apertado, abafado nas pontas do véu cor de lua.
Amor de pai, herói das histórias sussurradas ao menino valente à beira da cama.
Amor de saudade, de quem espera por quem não veio ou por quem não volta nunca mais.
E aquele que dizem ser o maior do mundo, o amor que nasce no dia da luz. Amor que não tem fim, que não cabe em si, e que perene que é, sobrevive a dor, a vida, ao luto. Amor de Maria por Jesus.
É elo que nos une a quem nem conhecemos, é explosão de repentinas afinidades.
Amor é preocupação em teimosia que não nos abandona. Nem depois da maioridade.
É régua imaginária que ora limita ora expande o sentido da vida.
É mistura de gota de chuva com saliva na língua, e de mãos quentes e úmidas, entrelaçadas.
Amor é a esquina da vida, onde se vive em suspenso, aguardando o próximo passo.
É coração arrebatado por soluços de carícias sobre o ser amado.
É o oposto do ódio, esse danado pseudônimo do amor rejeitado.

Pequeno Conto da Menina que Tinha Tudo

Conhecia uma menina de vinte e poucos anos que precisava engolir o mundo. E não é que quase foi engolida por ele?
De tudo, tinha muito. Sua avidez era um claro sinal de insegurança.
Muitos amigos, um mundo de sonhos, tantos namorados, quantos sapatos. E sua ansiedade era alimentada cada vez que se excedia, que consumia, que engolia mais e mais. Nunca estava satisfeita. Nunca chegava a lugar nenhum. A procura a sufocava, mas estava mesmo era infeliz.
Nada é o bastante para quem não tem medida.
Até que um dia, sem que tivesse um único espaço livre em seus armários ou em seu coração se viu obrigada a doar, a esvaziar, a desinchar e mudar o rumo da sua vida. A vida lhe dizia: Retroceder ou paralisar, e ela escolheu recomeçar, com menos, mais leve, sabendo que assim seria mais fácil ir mais longe. O autocontrole era sua nova régua, e um novo horizonte se abria. Saboreava o suave gosto da satisfação e com ela se deliciava. Um sopro de felicidade anunciava novos ares, enfim.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Andar com Fé

Estudar em um colégio católico tem muitas utilidades. Noções de hierarquia e de disciplina são aprendidas quase com a mesma idade em que se aprende a andar e a falar. Desde cedo também se conhece um conceito muito válido para religiões e regimes políticos de pouca liberdade: o dogma. Longe de mim comparar as religiões aos sistemas absolutistas, mas, academicamente poder-se-ia dizer, ao menos, que bebem da mesma fonte. É a regra de poucas perguntas e muitos “amém”.
Não queira saber o porquê, o dogma é o contrário daquilo que os psicólogos ensinam que não devemos responder às crianças, é a ausência de motivação ou a ausência da intenção em responder a verdade, também conhecido como “Porque sim” ou “Porque não”.
Lembro-me que curiosa que sempre fui, questionava porque o Papa era infalível. Não tanto por não crer, mas mais por pura e infantil curiosidade, queria, na verdade, era saber como se chegava a este estado onírico de estar acima do erro. Nunca me responderam. Ou, ainda, por que razão não se podia casar e depois mudar de idéia e se separar. Por que não, o que havia de tão sagrado neste voto que não poderia ser desfeito? Se até os religiosos poderiam renunciar a batina.
Lembro-me ainda não entender o que existia na santa eucaristia que fazia com que fosse, mesmo depois de dois mil anos, parte do corpo de cristo. E isso sem dúvida me atormentava porque determinadas perguntas eram quase ofensivas dentro de um sistema educacional católico.
Não que eu acreditasse, aos 14 anos, que estaria ingerindo um pedaço original do corpo de Cristo – o que certamente me faria desistir da primeira comunhão- mas o que fazia com que aquele pedaço de biscoito sem gosto como que por mágica divina o representasse? E nisso consistia o tal do dogma, acreditar sem questionar, engolir sem mastigar. Aceitar, mesmo sem compreender.
Creio que passados longos anos, continuo professando minha fé, muito embora reconheça que para mentes ávidas por respostas como a minha, o dogma vez ou outra represente um obstáculo difícil de remover.
Entendo que a razão, per se, arruína qualquer forma de fé, até mesmo a fé mais pura, sem tradicionalismos ou rótulos, que é aquela fé em Deus, e não no ritualismo das religiões. Mas o homem é um ser pensante por natureza e dizer a ele que para seguir uma religião deverá deixar seu cérebro na geladeira é afastá-lo de sua essência, e, numa visão mais ampliada, do próprio Deus.
Vejo com simpatia, portanto, que os ventos estejam mudando na igreja Católica, e que um Papa intelectual, mas essencialmente humano seja o comandante deste navio.
Ainda respondo afirmativamente quando me perguntam se sou católica, sobretudo porque é a forma mais conhecida e familiar que tenho de enxergar a Deus. Memórias afetivas de uma vida de aprendizado em instituições religiosas me levaram a trilhar o caminho da verdade, do autoesforço que aguarda recompensa, de temer o mal e aquilo que prejudique o outro. Existem outros caminhos que levam ao mesmo destino, claro, mas este foi o que conheci.
A despeito de tudo que vemos, hoje, na mídia, existem facetas iluminadas do catolicismo, tantas que amarga saber que recentemente só se divulgue aquela do mal, da exploração sexual criminosa de crianças, da corrupção por debaixo da batina.
Guardo comigo recordações várias de professores religiosos que estimulavam a vida em comunidade, a atividade pastoral e a ajuda ao próximo. E, como não lembrar, de outros nem tão próximos da liturgia, mas que nos encorajavam a ser felizes, a ter uma vida peregrina e a viajar o mundo e, de uma, em especial, que em uma aula de religião confidenciou as meninas como reconhecer a sensação do orgasmo.  Isso entre paredes de um colégio de padres, altamente tradicional, no qual as alunas eram proibidas de usar vestes acima do limite do joelho, sendo que a rebelde aqui que vos fala chegou a ser mandada de volta para casa por um centímetro a mais de um recatado, porém nada sacro vestido floral.
Particularmente acredito que a fé seja um anteparo para as vicissitudes da vida, o pão e o vinho que nos conforta e, como eles gostam de dizer, que regozija nosso árduo caminho. Parece ter mais sentido para mim um mundo que tenha uma figura paterna soberana, porque toda forma de vida por nós conhecida nasce verdadeiramente de um outro ser, de um pai.
São esses os valores que pretendo passar adiante, junto com meu DNA, para meus filhos, por isso espero, sinceramente, que o novo Santo Papa aponte, de forma infalível, os caminhos para este rebanho de fiéis empoeirado , ávidos por uma transformação.

terça-feira, 5 de março de 2013

Pare. Pense. E Siga seu Coração

Sinal dos tempos. Na era da informação rápida, do acesso de internet banda larga, do transporte a jato, desaprendemos a esperar. Praticamos a impaciência diariamente, e este treino constante tem feito façanhas: somos ainda mais selvagens do que éramos originalmente, e momentos prosaicos como filas de banco, de supermercado ou de carros aguardando o sinal abrir têm se transformado em arenas públicas para todo tipo de selvageria.
Só quero tempo, não quero mais nada, dizem, sempre correndo, os membros desta manada. A versão homo sapiens pós moderna. “Gosto da vida na versão fast food, dispenso couvert e sobremesa. E por falar nisso, garçom, traz logo a conta?”
Se tudo é tão mais rápido, se a vida deve ser atravessada nesta pressa, para onde vai o tempo que sobra? E o que fazemos com ele?
Não se anime. Poucos sabem tirar proveito deste presente, poucos são os que sabem usar com sabedoria este “extratime” cupom. A maioria se intoxica com mais doses cavalares de ócio na internet, de tempo vazio, sem uso em próprio benefício. E nem estou aqui a falar do exercício da contemplação, do ócio produtivo, que é olhar para si mesmo, refletir, meditar, o dolce far niente tão bem vindo, e que é a força motriz da imaginação, da criatividade, do autoconhecimento, da tão aclamada paz interior.
O tempo que resta é um tempo perdido com consumismo exagerado, com amizades virtualizadas, com preocupações inúteis, com fofoca e preocupação com a vida alheia. Ou seja, desperdício de tempo. O tempo, nunca antes tão precioso, e tão mediocremente banalizado.
Até que um dia, quando nos damos conta do quanto já perdemos, e do que falta de vida para esvaziar de vez nossa ampuleta, acordamos sobressaltados, sensíveis que somos a fragilidade de nossa existência.
Prepare-se, esse dia chega, cedo ou tarde, e para todos, aí vemos o quão inútil é discutir por aquilo que não sabemos aproveitar, e quanto estamos desgraçadamente despreparados para seguir nesta marcha de tempo que se chama vida.
Meu dia chegou. Não pretendo mais duelar comigo mesma, tampouco amamentar ilusões ou devaneios ao invés de viver, simplesmente, para o que realmente vale a pena. Decidi tatuar na minha alma o sentido dos meus dias. Sim, é uma escolha, e é para todo o sempre. 
Desejo fortemente que chegue logo o seu dia e que te libertes de todo o vazio. Amém.
 

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Intervalos


Sento calmamente na minha poltrona favorita na sala silenciosa no início da madrugada. Recosto a cabeça e abro com um prazer calculado o livro que me aguarda na mesa ao lado. Paro uns instantes para apreciar a tranqüilidade a minha volta e quase esqueço de voltar. 
Ainda no início da leitura do segundo parágrafo, um choro agudo e cortante me retira abruptamente do meu devaneio. Levanto com a velocidade de um raio, saindo do status de descanso para o de movimento só como uma mãe é capaz de fazer, e me dirijo ao quartinho lilás ao lado do meu. Pego-a no colo, devolvo-lhe a chupeta, aninho-a em meu peito e o silêncio volta a reinar. Faço uma prece mental para que esse seja o último choro da noite. “Só por hoje, só por hoje”- me pego repetindo baixinho como uma exausta anônima. Preciso desesperadamente relaxar.
Retorno calmamente ao mundo em que eu estava. Por uns instantes fulgazes reencontro a paz e fujo para longe, onde nem meus pensamentos me alcançam mais. Subitamente o telefone vibra ao meu lado e me traz de volta a realidade. Atendo-o, assustada. Minha mãe, preocupada, pergunta, do outro lado, porque eu não liguei ao chegar em casa como prometido. “Aconteceu alguma coisa?” a ansiedade jorrando da voz. Bufo, como que repreendendo a mim mesma. Sequer me lembro da promessa feita provavelmente no meio do dia enquanto estava ocupada com todas as outras infinitas coisas que me assaltam diariamente. “Todos estão bem, mãe, fique tranqüila, vá dormir”.
Desligo o telefone, sigo até a cozinha e tomo um gole d´água antes de voltar ao livro que me aguarda paciente e praticamente intocado em cima da mesa.
Mal começo a folheá-lo, um vulto aparece na porta com o pijama vestido do avesso, fitando-me com os olhos sonolentos e pergunta, afetuoso: “Você não vem dormir?”
Suspiro. Desisto. E sigo-o na penumbra pelo corredor.

 

 

Sinais Vitais


Foi Carlinhos quem me abriu os olhos para a realidade. Carlos Drummond de Andrade, conhece? Em um famoso poema chamado “casa arrumada” ele diz que a casa da gente não é vitrine para estar sempre impecavelmente arrumada, que casa que tem amigos tem marca de copo na mesa, e arranhão no chão. E tem mesmo. Se for casa com criança pequena, então, aí tem parede riscada, brinquedo em cada canto, sofá manchado...E que seja de lápis de cera, ao invés de cigarro, penso eu.
Não é só a casa da gente que tem que ter vida, ser pulsante, carregar marcas. Todos nós temos as nossas cicatrizes, que andam rigorosamente escondidas, mas, depois do salvo conduto de Carlinhos, podem e devem ser alforriadas, são elas que nos dão charme e nos fazem ser quem somos. Precisamos, nós também, carregar nossa história na pele.
Eu já achava estranho, e agora me veio a certeza, mulheres que mais parecem que saíram de capas de revistas ou das passarelas não são reais, são mulheres vitrines, sem uma única sardinha de sol no nariz para contar história de algum verão inesquecível, ou uma ruguinha, que traz um charme experiente aos olhos ainda brilhantes de menina. Uma gordurinha aqui e acolá, que não comprometem o visual não deixam dúvida: essa aí gosta de reunir quem ama ao redor de uma boa mesa. Se os dentes já não são mais brancos como antigamente, não dá para enganar: essa outra adora um vinho e de preferência na companhia dos amigos. Se reclama muito da coluna, é batata: tem filho pequeno, que ela ainda carrega no colo...
Mulher de verdade é assim, veste seus defeitos como se fossem predicados. Drummond certamente concordaria comigo...

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Réveillon

Todo ano saio em busca da reconstrução pessoal, de invadir os escombros da alma atrás de pedaços intactos de mim. Visto-os com dignidade, minha farda e meu escudo. E me despeço dos destroços, objetos inanimados que pesam sobre os ombros e que não me protegem mais, nem de mim mesma.
Calço minhas botas, apanho minha bagagem, e finjo sorrir. Preciso mostrar ânimo para os dias que virão. Quero acreditar que serão diferentes, que, como diz a música, tudo mudou.
A passos largos, observo o que deixei para trás, e num misto de alegria e solidão, vejo que estou sozinha, eu, minha farda, e minha trouxa de passado. Parece mais leve que a do ano passado, mas ao empunhá-la nas costas, vejo que ainda há resquícios daquela que nem existe mais. Paro novamente e abro sem hesitação: retiro tralhas e tralhas, jogo ao chão mais pedaços de mim que não uso mais, tantos que uma nova versão me encara no piso frio com um ar desolado. Não recuo. Sigo em frente e deixo-a esquecida atrás de mim. Agora sim, estou mais leve.
Tomo coragem e saio correndo, em frente, sem medo, e mergulho no ano que me espera. Cheia de sonhos, e um tanto otimista. Sibilo uma promessa de ano novo: sem trouxa nas costas no ano que vem.