terça-feira, 29 de outubro de 2013

Ai de mim


Eu falo sozinha.

Eu escrevo crônica e poesia e gosto de jardinagem.

Eu estudei italiano, ma non troppo.

Eu engravidei em Paris, num dia das bruxas. E pari uma leonina, nove meses depois.

Eu não sei desenhar, e nem gosto de dirigir. Só bicicleta, e com vento no rosto.

Eu aprendi a pintar minhas próprias unhas.

Eu gosto de comer besteira antes de dormir.

Eu nado dois mil metros por semana. Quase toda semana.

Eu rezo todos os dias indo para o trabalho.

Eu me dou bem com a solidão, mas gosto de gente também.

Ainda não decidi se prefiro praia ou montanha.

Viajar para mim é como um balão de oxigênio.

Eu suo demais.

Eu gosto de dias de chuva.

Eu conto minhas horas de sono.

Eu raramente esqueço um aniversário, ou um rosto conhecido.

Eu adoro bater palma. E amo dançar.

Eu tomo um gole de vinho, sozinha, quando a casa está escura. E uma garrafa, acompanhada, quando a casa está cheia.

Eu gosto do silêncio. Mas prefiro o dia a noite.

Eu gosto de pintura impressionista. E de música erudita.
 
Eu leio horóscopo e bula de remédio.

Eu choro em Óperas. E em filmes de amor.

Eu não gosto de andar de avião sozinha.

Eu acredito em Deus.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Luto

Nunca estamos prontos para a morte. Passamos a vida tentando entendê-la, tentando encontrar um sentido para o fim, ou buscando uma eternidade que nunca virá. A busca se resume a tentar prolongar nossa saúde, nosso convívio com quem amamos, numa vã tentativa de nos esconder de algo inexorável, que sempre nos alcança.

Fazemos prognósticos, estimativas, numa patética e desesperada insistência em controlar o imponderável.
  
A verdade é que não há quem esteja imune a este dia, e que, cedo ou tarde ele chegará para todos.
 
A racionalização do caos, daquilo que não controlamos, tão cara ao seu humano, nos empurra a analisar quando a morte pode ser esperada, até mesmo desejada ou quando ela seria uma abrupta interrupção, quase uma intromissão indesejada no caminhar do indivíduo.

 Normalmente, aos enfermos e sofridos, ela é benesse e alívio, mas aos jovens, aos que ainda produzem e tanto podem fazer pela sociedade, seria uma dura sentença, inesperada e irrecorrível. Talvez porque o sentimento de perda venha se somar, neste último caso, ao choque dos que não puderam se despedir. E a despedida, ainda que dolorosa, é, também, uma forma de nos conformarmos com o fim. Sem adeus, o fim é inaceitável, quase uma punição, a que todos estamos miseravelmente condenados.
 
Perder um amigo, a quem devotávamos empatia e admiração, no auge de uma vida plena, finalmente conquistada, com data marcada para a felicidade é provar deste fel.
 
Perder um amigo covardemente assassinado, no exercício de sua função recentemente conquistada, para a qual se preparou por toda a vida, é invadir a escuridão das dores incompreendidas. E lá permanecer, como uma noite profunda, esperando alguma luz se acender.
 
No dia em que o sol vier a brilhar saberemos que o fim na verdade é um meio e que esta estrada não foi interrompida como parece: o caminho é que mudou de direção.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Sinais de Deus


Ontem eu briguei com Deus. Eu pergunto, ele não responde. Ele fala, mas eu não escuto, e os tais dos seus desígnios andam me enlouquecendo.

O auge de uma provação me parece ser este, em que questionamos até nossas convicções mais profundas, mas, numa esquizofrenia emocional resistimos a descartá-las morrendo de medo do desafio de encontrar novas para ocupar o lugar vazio.

E assim vamos caminhando, esperando um sinal divino que hesita em aparecer.

Já passei da fase de achar que algo sensacional vai trazer a resposta que busco, que verei luzinhas piscando ou que renas aparecerão trazendo a boa nova. Eu realmente adoraria que estas cenas biblicamente possíveis, mas realisticamente improváveis viessem a acontecer, mas não é por esses sinais que os sinos do divino tocam. E é esse o problema. Como reconhecê-los se não são efusivos, se não nos embalam de uma forma tão arrebatadora que mal conseguimos respirar?

Tenho, ainda, parte da dúvida, e parte da certeza. Acredito que a resposta venha quando sentirmos que sim, chegamos ao lugar certo, é mais uma sensação e um conforto do que um milagre. Mas, para quem, como eu, ainda espera por milagres e sininhos tilintando seria metaforicamente como um sopro de esperança, um afago do espírito santo ou de quem lhe vista as vestes. Essa é a metade da certeza.

A outra metade, que ainda me revira e me aprisiona, é a de que se saberemos reconhecer esta resposta quando ela chegar, e, mais, se ela não chegar, como mudaremos de direção? Apontar que estamos no caminho errado é uma resposta incompleta, como sair dali se não soubermos para onde ir?   

Pergunto, mas respondo. Apostando nesta mesma intuição, que nos faz sentir que estamos onde devemos estar, e indo mais além, ao deixarmos esta zona de conforto que a certeza nos propõe e assumir o risco de escolher uma direção e seguir naquele caminho, mesmo sem saber onde ele vai dar. Se tudo der errado, voltar atrás, ou, mesmo dando certo, mudar a rota se assim o quiser.

E é disso que a vida é feita, afinal, certeza e dúvida, voltar e partir, idas e vindas, até o dia da partida final.