Sento calmamente
na minha poltrona favorita na sala silenciosa no início da madrugada. Recosto a
cabeça e abro com um prazer calculado o livro que me aguarda na mesa ao lado.
Paro uns instantes para apreciar a tranqüilidade a minha volta e quase esqueço
de voltar.
Ainda no início
da leitura do segundo parágrafo, um choro agudo e cortante me retira
abruptamente do meu devaneio. Levanto com a velocidade de um raio, saindo do
status de descanso para o de movimento só como uma mãe é capaz de fazer, e me
dirijo ao quartinho lilás ao lado do meu. Pego-a no colo, devolvo-lhe a
chupeta, aninho-a em meu peito e o silêncio volta a reinar. Faço uma prece
mental para que esse seja o último choro da noite. “Só por hoje, só por hoje”-
me pego repetindo baixinho como uma exausta anônima. Preciso desesperadamente relaxar.
Retorno
calmamente ao mundo em que eu estava. Por uns instantes fulgazes reencontro a
paz e fujo para longe, onde nem meus pensamentos me alcançam mais. Subitamente
o telefone vibra ao meu lado e me traz de volta a realidade. Atendo-o,
assustada. Minha mãe, preocupada, pergunta, do outro lado, porque eu não liguei
ao chegar em casa como prometido. “Aconteceu alguma coisa?” a ansiedade
jorrando da voz. Bufo, como que repreendendo a mim mesma. Sequer me lembro da
promessa feita provavelmente no meio do dia enquanto estava ocupada com todas
as outras infinitas coisas que me assaltam diariamente. “Todos estão bem, mãe,
fique tranqüila, vá dormir”.
Desligo o
telefone, sigo até a cozinha e tomo um gole d´água antes de voltar ao livro que
me aguarda paciente e praticamente intocado em cima da mesa.
Mal começo a
folheá-lo, um vulto aparece na porta com o pijama vestido do avesso, fitando-me
com os olhos sonolentos e pergunta, afetuoso: “Você não vem dormir?”
Suspiro.
Desisto. E sigo-o na penumbra pelo corredor.