Não tenho muito o que dizer hoje
não, mas quero falar. Falar é terapia, gasta calorias, e balança minhas cordas
vocais que andam murchas. Andam murchas, nada, preciso aprender a redigir sem a
obrigação de usar adjetivos, mas não consigo, faço sempre isso, o tempo todo,
no papel e na vida. Qualificar é um vício, e faz mal a quem quer que prove deste
mal porque nos acostuma a enxergar lados opostos, e o que é pior, para quem,
como é, sofre de insatisfação aguda, a nos enxergar sempre no pior dos lados.
Adjetivar ensina a polarizar o
mundo, a criar uma relação binária em tudo, a simplificar o que é complexo.
Não existe apenas preto, branco,
e só de cinza aprendi que são 50 tons. Mas nosso exercício diário de distribuir
predicados desconhece a profundidade e comete alguns desatinos ao determinar superficialmente
quem é rico ou pobre, quem é feliz ou triste, bonito ou feio. Pior, e se eu não
me enquadrar no conceito triple A, e aí, como acordo amanhã? Como encaro o
outro? Como sobrevivo?
Preciso do temperamento de viver
sem julgar, deixando para trás os rótulos que eu mesma me esforço em vestir e
em distribuir para quem quiser recebê-los. A dificuldade em ser assim é que o
mesmo dedo que aponta para o outro, se volta para si mesmo, e se não estivermos
confortáveis com as respostas que ele nos trará gastaremos um esforço extra para
sair daquela prateleira e nos enfileirar na seguinte e ali permanecer até alguém
nos adjetivar de novo e nosso ego nos obrigar a mudar de lugar. E assim, mudamos,
mudamos e mudamos. Até que, já exaustos, paramos onde nos colocaram e ficamos ali,
anos e anos, olhando para as latinhas vizinhas e seus rótulos empoladinhos e
nos perguntando: “Mas, essa sou eu? O que estou fazendo nesta prateleira? ”
O que posso dizer além de saia logo
daí antes que seja tarde, e encontre seu lugar no mundo? Um lugar para onde
queira voltar todos os dias, com um sorriso no rosto e os braços abertos pela
saudade.