sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Papo Sério

Dispense o smartphone por alguns minutos e preste atenção. O papo é sério. Precisamos repensar a educação que estamos dando para os nossos filhos. Ninguém saber ouvir um “não”. As críticas são rejeitadas enfaticamente, como se fossem um comentário maldoso e destrutivo, feitas por invejosos, por quem que não gosta de você. A geração que está crescendo perante nossos olhos é a do “comigo ninguém pode!.” Não se pode confrontá-los, repreendê-los, questioná-los. Não foram preparados para lidar com adjetivos negativos sem que ouvi-los seja quase como receber um soco no estômago ou um tapa na cara. Ou ambas as coisas. Reações exageradas de crianças grandes e mimadas. Sentem-se acuados, num misto de insegurança e susto, como se errar ou fracassar fosse ato criminoso e vexatório. Certamente você também conhece alguém assim.
Em perspectiva macro, esses projetos mal acabados de adultos, ao se depararem com uma frustração, viram assassinos em série vingando-se do mundo que não os tratam que nem papai e mamãe. Tiroteio no cinema, tiroteio no colégio. Quer algo mais brutal e infantil ao mesmo tempo? E lá se vai a conta para o “bullying”, para os transtornos de personalidade e para mais uma meia dúzia de explicações psíquicas. As desculpas se proliferam, e desligamos a televisão, chocados e calados. Se a psiquiatria sempre encontra uma resposta, o que se pode dizer? Que o mundo está doente, e as pessoas também, diria minha avó.
A frustração e as derrotas fazem parte da construção pessoal do ser humano e servem quase como um ritual de passagem para o mundo dos adultos. Precisamos ouvir muitos “nãos” até mesmo para sabermos valorizar um “sim” quando ele chegar. Ah, porque tem isso também, o excesso de “sim” provoca uma felicidade anestesiada, blasé, sem sal. E vejo muito isso ao meu redor: adolescentes premiados a todo instante como se a vida fosse uma sucessão de conquistas e medalhas. Quando caem na realidade e não sobem ao pódio como estão acostumados, diagnosticam-se como deprimidos e passam a viver a base de antisiolítico e terapia intensiva. E nunca ficam curados, já reparou?
Vamos crescer, virar gente grande, parar de fazer beicinho e bater o pé, minha gente! Antes que seja tarde demais para isso.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A Beira do Caminho

Lá fora faz sol, mas hoje é dia cinzento dentro de mim. Um dia de alma cansada, que reclama um ar puro, longe destes espigões envidraçados e dessa colméia de gente que passa entre eles. Mas estou presa, não posso ir. E a cada segundo me sinto mais asfixiada pela poluição da rotina, da responsabilidade, do dever a cumprir. E quero fugir. Mas não posso, não devo, não vou.
Sem remédio, sou consumida por este mal, mas ainda me resta a resignação e os atalhos, estreitos e inabitados, que tento resgatar dentro de mim. Voz feminina cantando Vinicius, cheiro de lavanda, sabor de chocolate com canela. Chego mais perto, quase lá. Agarro-me a eles e me afasto do mundo. Aqui, em algum lugar por dentro, onde ainda há um pouco de paz, de silêncio, de alma, de mim.
Hoje é esse meu endereço no mundo, o meu refúgio e o meu consolo, e o que me mantém de pé mesmo asfixiando, sufocando, precisando, desesperadamente, de ar.
Sobrevivo ao dia de hoje e sigo tentando encontrar este lugar todos os dias. Em meio ao caos, ao medo, ao que se espera de mim. Penso em desistir, mas algo ainda mais forte me traz de volta a estrada. É preciso seguir, sussurra uma voz em meu ouvido. Obedeço, volto para o caminho, mas, qual é a direção a seguir? Diga-me, para onde que eu vou?

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Cena de Cinema


Outro dia fui ao cinema, mas nem lembro mais do filme. Fui tomada de assalto por uma cena que aconteceu na platéia.
Um casal já sentado, por descuido, mau jeito, ou seja lá por qual motivo for, ao se ajeitar na poltrona atingiu, com um chute, a poltrona da frente, em que estava sentada uma mulher acompanhada do marido. Isso já aconteceu comigo algumas vezes, e, normalmente, em dias felizes, finjo nem me incomodar, e em outros, mais raivosos, faço um comentário entredentes reclamando da má educação do meu vizinho.
É fato, e consumado, que todos estamos sujeitos a isso num mundo em que convivem bilhões de pessoas, e no qual várias delas dividem o mesmo espaço ao mesmo tempo. O meu desafio particular atual, inclusive, é saber levar estes incidentes na esportiva.
Pois bem. Neste caso, como costumeiramente tenho visto acontecer, o casal da frente- as vítimas do chute- não levaram no fair play. O marido se virou para o descuidado “agressor” e lá se foram impropérios de A a Z, e o que é pior, em alto e bom som para o cinema inteiro ouvir. Algo como “vamos resolver isso lá fora” foi dito por algum deles. Tomei um susto. Eu e todos que lá estavam, e começamos a assistir a deplorável cena: um bate boca sem fim, que levou o casal que provocou o mal estar a levantar-se da cadeira e ir se embora ainda no meio da balburdia. E o cidadão ainda saiu vociferando que o outro, pela sua intolerância, teria estragado o programa dele. Climão total. Mas a cena não terminou aí não. Mal tinha começado o trailer, e o senhor voltou, sozinho, subindo as escadas até a fileira do outro. Silêncio. Princípio de pânico para quem se lembrou, como eu, dos últimos episódios trágicos que tiveram o cinema como palco. Uma pessoa manda um “deixa para lá, cara, vá embora”. E ele, magistralmente se vira para todos e diz: “não vim aqui brigar, fiquem tranqüilos. Vim fazer o que deveria ter feito logo no inicio: pedir desculpas. Já perdi minha noite mesmo, mas acho importante dizer isso em público. Teria evitado todo este constrangimento. E peço desculpas a todos vocês pela confusão involuntária.” Virou-se e foi embora aplaudido. Corrijo-me: ovacionado que nem cantor famoso depois do bis. E ainda me sai com essa:  “ E depois ainda dizem que tricolor é mal educado! Eu sou tricolor, gente! ”
Pronto. Com seu pequeno gesto ganhou até a simpatia dos adversários, em especial da flamenguista que vos fala! Clap, clap, clap!

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Rotina


E todos os dias começam do mesmo jeito: a vida é repetição: de dias, de desejos, de medos, de loucuras.
Acordamos ora cansados ora felizes, e seguimos o roteiro das tarefas diárias, as vezes com perfeição cirúrgica, outras com desânimo total, na maioria das vezes com um misto de ambas. 
Passamos todos os dias pelos mesmos caminhos, no itinerário de repetições infinitas que nos leva ao trabalho, à escola, e de volta para casa. Cumprimentamos quem não conhecemos, e fingimos não ver quem nos conhece. Beijamos os filhos e partirmos, sempre com o coração apertado. Tentamos nos divertir no meio da selva da rotina fugindo para onde houver algum espaço, as vezes com tanta distração que nos esquecemos de voltar.
Insistimos naquilo que sabemos que não vai dar certo, por teimosia ou amor a luta, e rezamos todas as noites por dias novos, que nunca inventamos. Se somos surpreendidos com a visita do inesperado, agora rezamos, todas as noites, pela volta à rotina.
Quando o final do dia chega, vontade de tudo e de nada nos apondera. Vontade de estréias, mas a televisão nos hipnotiza. Dormimos com a esperança e acordamos conformados e assim a vida se esvai, dia após dia.
A rotina é prisão, mas também boa companhia. É aquela presença incômoda, e, ao mesmo tempo, reconfortante. É a serenidade do que nos é conhecido, outras vezes o tédio que nos oprime e sufoca .
Rotina tem cheiro de café com leite e aquele gosto de comida caseira. É o sofá velho da sala, e o capítulo do dia da novela das oito. É colo, é lar, é afago, dos quais temos que tirar férias algumas vezes por ano. Sem medo, e sem enganos.