sexta-feira, 27 de junho de 2014

180 graus


Fiz as pazes com Deus. E comigo mesma. A vida não é mesmo para iniciantes. Depois de uma confissão pública de que havia brigado com Deus, preciso dizer que agora, sim, passei a entender o idioma divino.
A vida andava sem sentido. Muitas perguntas, e nada de respostas de volta. Até que comecei a perceber que deveria estar olhando para o lado errado, ou que enxergava por lentes erradas. Precisava refrescar a minha visão sobre tudo.
Subitamente desperta em mim um interesse que até então não exista, comecei a me pegar  lendo a Bíblia, e a esbarrar em pessoas que tinham mensagens para mim, que me fizeram entender um pouco mais daquele momento de tantas dúvidas.
Pensei: vou testar se rezar realmente funciona, e todos os dias vou fazer minha prece, e não vou mais pedir que isso ou aquilo seja entregue a mim, vou pedir que me venha o que deve vir, e que eu saiba aceitar a encomenda. Do que preciso, agora, é de mais compreensão e menos julgamento. E assim, devagarinho, mas de forma constante, a vida passou a fazer algum sentido.
As lentes foram desfocadas e eu comecei a enxergar o óbvio: como sou uma pessoa agraciada por tantas conquistas, conquistas que eram embaçadas por um foco desmedido naquilo que eu não tinha e gostaria de ter. Foco embaçado também pela presença de pessoas que sugavam, o meu tempo, a minha energia e tudo mais que vinha junto, e que começaram- magicamente- a se afastar do meu caminho, assim como outras se aproximaram, as que de fato faziam a diferença.
Os pequenos rituais sagrados e rotineiros ganharam uma importância que nunca tiveram, e percebi que não há nada de pote de ouro no fundo do arco-íris, a grande felicidade está aqui e agora, e não mais no que não consigo.
É simples, mas complicado ao mesmo tempo, porque exige um constante exercício de proximidade e distanciamento, de experiência e análise, e de quebra, total e sem volta, de crenças que limitavam o meu olhar sobre o mundo.
É uma mudança e tanto, e começo a perceber que é um movimento coletivo, uma nova lua, um paradigma que está sendo quebrado. Menos é mais, mais tempo vale mais que dinheiro, mais silêncio em lugar de mais barulho. E vamos, de pouco em pouco, seguindo por caminhos nunca antes navegados. É algo revolucionário o que estamos vivendo, mas absolutamente solitário, porque é uma mudança orgânica, e interna, que mexe primeiro em nós para depois alcançar o outro. 
A relação dos homens com as mulheres, dos pais com os filhos, do Estado com os cidadãos e vice versa, dos homens com Deus, tudo vem mudando nos últimos tempos. Encontramo-nos perdidos em algum ponto desta nova onda  de energia que tem modificado todas as nossas relações.
Consegui, a muito custo, encontrar meu avatar neste matrix que está se instalando.
Para quem ainda não acordou, e não percebeu o que estamos vivendo, só tenho a dizer : ‘wake up, Neo”.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A Síndrome da criança malcriada


Tenho reparado que a simpatia, que sempre foi o cartão postal do povo Brasileiro, ao menos por aqui, nas minhas bandas é uma qualidade quase folclórica, longe a beça da realidade.

Li recentemente, mais instigada pela curiosidade do que pelo despeito, as razões que fizeram um norte-americano odiar morar no Brasil, e concordo com grande parte de suas observações, em especial aquela que diz que somos muito queridos com os conhecidos, embora extremamente rudes com quem não faz parte do “cercadinho vip” do nosso afeto. Há quem discorde por pura repulsa à inevitável carapuça, mas que é verdade, isso é.

Eu chamaria de síndrome da criança malcriada. Tal como quando chamamos a atenção ou repreendemos uma criança, as pessoas, atualmente, quando criticadas, sobretudo se flagradas fazendo algo errado publicamente reagem com uma selvageria inacreditável, incapazes que são de suportar uma crítica de terceiros que poderão colocar a perder a vaidade de um ego inflado. Ou inflamado de tanto egocentrismo.

Não só os preços do ramo imobiliário estão a alimentar uma bolha, os egos de nossos semelhantes também crescem em proporções assustadoras. Não aceitam ser repreendidos, e ponto final. Podem estar trafegando na contramão, ultrapassando pela pista da direita, estacionando em cima da calçada que se sentem no direito de fazê-lo, e ai de quem resolver questioná-los. Pena máxima para os advogados da lei, e não para seus infratores. Pode isso?

E há, também, o extremo oposto: quem, titular do direito, ao exercitá-lo, usar requintes de má educação, como se a razão fosse um cheque em branco e assinado para que seu portador reclame abusivamente, esquecendo-se dos princípios elementares de convívio em sociedade.

Certo dia protagonizei uma dessas cenas no metrô, e minha reação civilizada, quem diria, é que provocou surpresa alheia. Nada como anos de terapia.

 Diante do movimento de saída de uma pessoa que estava a minha frente, sentada num dos bancos, enquanto eu estava em pé, me mexi em direção ao assento que estava disponível, quando então a pessoa, de maneira mais agressiva do que o necessário, me interpelou dizendo “estou levantando para aquele senhor sentar, não você”.

Embora o assento não fosse prioridade, me sensibilizei com a atitude generosa da moça, e, claro, mantive-me na mesma posição, desculpando-me, já que não tinha como, de onde eu estava, perceber a sua intenção. O curioso da situação é que o senhor não aceitou a gentileza, e a moça ficou atônita com a atitude dele e a minha, já que esperaria, em situações normais de temperatura e pressão, receber uma resposta atrevida ou na mesma medida da sua. Calei-me depois do episódio e permaneci de pé em frente a ela por mais algumas estações para seu desespero. O desconforto era visível, ela sabia que não precisava ter sido ríspida, e meu comportamento neutralizou totalmente o excesso do comportamento dela a ponto de constrangê-la.

Penso que precisamos de mais atitudes neutralizadoras como essa, caso contrário não faltará muito para que esta panela de pressão nível máximo que coabitamos estourar de vez. E aí, salve-se quem puder.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Instagreve


Estava eu em momento inspirador: atravessando a ponte Rio-Niterói, trânsito livre, aquela vista deslumbrante, no banco de trás ao lado da minha filha, ambas embasbacadas com aquela paisagem, quando me dou conta que minha mão se perde dentro das bolsa, retirando a atenção daquele momento, em busca da câmera do telefone. Não encontro na primeira tentativa, e insisto, já irritada, sem perceber que na janela, ao lado, a imagem está, pouco a pouco, saindo do meu ângulo de visão enquanto eu brigo com a minha bolsa que mais parece um buraco sem fundo. Quase derrotada, volto meu olhar novamente para a cena e penso “que se dane, quero aproveitar o momento”.

Não sou a única, certamente. Tenho reparado que a obsessão pela fotografia tem nos deixado menos presentes, como se fossemos uma versão retratada de nós mesmos, e só existíssemos, realmente, no mundo virtual. Opa, faz sentido isso?

Há tempos tenho reparado que pelos museus e pontos turísticos mundo afora as pessoas andam obcecadas com a melhor foto, o melhor ângulo, em prejuízo do momento em si, e, confesso, sou uma delas, mas em franca recuperação. Fotógrafos amadores e anônimos, somos um time.

A diversão mudou o foco, e agora além de viver temos que publicar o momento, e aguardar, ansiosos, pelos comentários que virão, sempre exultando nossas habilidades, nossa melhor pose, o melhor de nós. Nada de filtrar o que não merece ser visto, isso ainda guardamos a sete chaves.

E assim fotografamos cada passo da rotina, eternizando nosso ego, esse danado que nos vicia e nos seduz, mas pode, também, nos levar a ruína. Quem, de nós, nunca foi traído por ele?

Melhor guardarmos nossas câmeras, minha gente, e retirá-las da bolsa para momentos criteriosamente eleitos. No mais, façamos como eu que, aos quinze anos de idade, numa daquelas viagens cafonas de excursão adolescente pela Disney, quebrei minha máquina fotográfica no meio da viagem e fiquei absolutamente inconsolável no telefone com minha mãe, naquelas ligações relâmpagos, numa era pré-skype. Lembro que, naquela velocidade que éramos obrigadas a falar para evitar que a ligação telefônica ficasse mais cara do que a própria viagem (uma versão pré- anúncio do Ministério da Saúde ao final de alguns comerciais televisivos) minha mãe me disse: registra com a mente, filha, registra!

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Ai de mim


Eu falo sozinha.

Eu escrevo crônica e poesia e gosto de jardinagem.

Eu estudei italiano, ma non troppo.

Eu engravidei em Paris, num dia das bruxas. E pari uma leonina, nove meses depois.

Eu não sei desenhar, e nem gosto de dirigir. Só bicicleta, e com vento no rosto.

Eu aprendi a pintar minhas próprias unhas.

Eu gosto de comer besteira antes de dormir.

Eu nado dois mil metros por semana. Quase toda semana.

Eu rezo todos os dias indo para o trabalho.

Eu me dou bem com a solidão, mas gosto de gente também.

Ainda não decidi se prefiro praia ou montanha.

Viajar para mim é como um balão de oxigênio.

Eu suo demais.

Eu gosto de dias de chuva.

Eu conto minhas horas de sono.

Eu raramente esqueço um aniversário, ou um rosto conhecido.

Eu adoro bater palma. E amo dançar.

Eu tomo um gole de vinho, sozinha, quando a casa está escura. E uma garrafa, acompanhada, quando a casa está cheia.

Eu gosto do silêncio. Mas prefiro o dia a noite.

Eu gosto de pintura impressionista. E de música erudita.
 
Eu leio horóscopo e bula de remédio.

Eu choro em Óperas. E em filmes de amor.

Eu não gosto de andar de avião sozinha.

Eu acredito em Deus.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Luto

Nunca estamos prontos para a morte. Passamos a vida tentando entendê-la, tentando encontrar um sentido para o fim, ou buscando uma eternidade que nunca virá. A busca se resume a tentar prolongar nossa saúde, nosso convívio com quem amamos, numa vã tentativa de nos esconder de algo inexorável, que sempre nos alcança.

Fazemos prognósticos, estimativas, numa patética e desesperada insistência em controlar o imponderável.
  
A verdade é que não há quem esteja imune a este dia, e que, cedo ou tarde ele chegará para todos.
 
A racionalização do caos, daquilo que não controlamos, tão cara ao seu humano, nos empurra a analisar quando a morte pode ser esperada, até mesmo desejada ou quando ela seria uma abrupta interrupção, quase uma intromissão indesejada no caminhar do indivíduo.

 Normalmente, aos enfermos e sofridos, ela é benesse e alívio, mas aos jovens, aos que ainda produzem e tanto podem fazer pela sociedade, seria uma dura sentença, inesperada e irrecorrível. Talvez porque o sentimento de perda venha se somar, neste último caso, ao choque dos que não puderam se despedir. E a despedida, ainda que dolorosa, é, também, uma forma de nos conformarmos com o fim. Sem adeus, o fim é inaceitável, quase uma punição, a que todos estamos miseravelmente condenados.
 
Perder um amigo, a quem devotávamos empatia e admiração, no auge de uma vida plena, finalmente conquistada, com data marcada para a felicidade é provar deste fel.
 
Perder um amigo covardemente assassinado, no exercício de sua função recentemente conquistada, para a qual se preparou por toda a vida, é invadir a escuridão das dores incompreendidas. E lá permanecer, como uma noite profunda, esperando alguma luz se acender.
 
No dia em que o sol vier a brilhar saberemos que o fim na verdade é um meio e que esta estrada não foi interrompida como parece: o caminho é que mudou de direção.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Sinais de Deus


Ontem eu briguei com Deus. Eu pergunto, ele não responde. Ele fala, mas eu não escuto, e os tais dos seus desígnios andam me enlouquecendo.

O auge de uma provação me parece ser este, em que questionamos até nossas convicções mais profundas, mas, numa esquizofrenia emocional resistimos a descartá-las morrendo de medo do desafio de encontrar novas para ocupar o lugar vazio.

E assim vamos caminhando, esperando um sinal divino que hesita em aparecer.

Já passei da fase de achar que algo sensacional vai trazer a resposta que busco, que verei luzinhas piscando ou que renas aparecerão trazendo a boa nova. Eu realmente adoraria que estas cenas biblicamente possíveis, mas realisticamente improváveis viessem a acontecer, mas não é por esses sinais que os sinos do divino tocam. E é esse o problema. Como reconhecê-los se não são efusivos, se não nos embalam de uma forma tão arrebatadora que mal conseguimos respirar?

Tenho, ainda, parte da dúvida, e parte da certeza. Acredito que a resposta venha quando sentirmos que sim, chegamos ao lugar certo, é mais uma sensação e um conforto do que um milagre. Mas, para quem, como eu, ainda espera por milagres e sininhos tilintando seria metaforicamente como um sopro de esperança, um afago do espírito santo ou de quem lhe vista as vestes. Essa é a metade da certeza.

A outra metade, que ainda me revira e me aprisiona, é a de que se saberemos reconhecer esta resposta quando ela chegar, e, mais, se ela não chegar, como mudaremos de direção? Apontar que estamos no caminho errado é uma resposta incompleta, como sair dali se não soubermos para onde ir?   

Pergunto, mas respondo. Apostando nesta mesma intuição, que nos faz sentir que estamos onde devemos estar, e indo mais além, ao deixarmos esta zona de conforto que a certeza nos propõe e assumir o risco de escolher uma direção e seguir naquele caminho, mesmo sem saber onde ele vai dar. Se tudo der errado, voltar atrás, ou, mesmo dando certo, mudar a rota se assim o quiser.

E é disso que a vida é feita, afinal, certeza e dúvida, voltar e partir, idas e vindas, até o dia da partida final.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Mudança para quem?

Sempre fui uma pessoa questionadora, mas confesso que ando carregando dúvidas demais, e de dúvida em dúvida, a crise se instalou. Pessoas inquietas como eu normalmente são curiosas e não passam um único dia sem buscar mais informação, e, em tempos de informação instantânea, estamos ferrados. Explico.
Recentemente estamos sendo soterrados por uma avalanche de informação pasteurizada que seria uma versão 5.0 daqueles livros de auto-ajuda de outrora: são sites, blogs, livros, programas de televisão monotemáticos: descubra uma versão melhor de você mesma, arrisque, vá ao encontro dos seus sonhos. No início se confundia com mais uma jogada de marketing para vender revistas femininas, mas tem agregado tantos seguidores que não tarda a criar sua própria igreja, não duvidem. 
Nunca mais passaremos incólumes por uma melancolia passageira, uma crise no trabalho ou um problema no relacionamento, somos desafiados a todo o momento a enxergar nestas dificuldades, ainda que momentâneas, um sinal para mudar de vida. Propostas não faltam: largar tudo e dar uma volta ao mundo, ir atrás de um sonho que nutríamos aos doze anos de idade, morar em um país estrangeiro para um período sabático e por aí vai.  Pergunto aos navegantes recém egressos: E mudou tudo mesmo?
Reconheço que não podemos viver conformados, e que é motivador ouvir alguém falar da sua coragem em mudar de vida, mas será que precisamos, todos, de tanto radicalismo para nos reinventarmos?  Tenho a sensação que no mundo de hoje só pode ser feliz quem vive ousadamente, na contramão das convenções sociais, e que aquele que “sobrevive” a base de rotina, relacionamentos duradouros e férias uma vez por ano seria a encarnação do homem acomodado, o típico Homer Simpson cuja diversão máxima se limita a assistir futebol e tomar cerveja com os amigos. Mas, olha, há quem seja muito feliz assim, e que, não, obrigado, não precise mudar de vida.
Para aqueles que, como eu, tem seus dias de dúvida, há consolo. A felicidade, no meu modo de ver, não tem relação direta com as escolhas que você faz, mas com a maneira que você lida com elas. Pensar que para tudo na vida temos escolha é de um reducionismo asfixiante. Nem todo mundo pode viver como quer, é óbvio, seja por este ou aquele motivo, e, ainda que haja solução para quase tudo na vida, muitas vezes é mais enriquecedor permanecer onde estamos do que mudarmos de lugar. Mudar a si mesmo, conseguir enxergar sua realidade de modo diferente é infinitamente mais desafiador e complexo do que simplesmente mandar tudo as favas e ir morar numa casinha de sapê no alto da montanha.
E tem mais. Há infinitas possibilidades de insatisfação pessoal, e praticamente todas elas se refletem no seu ambiente de trabalho ou nos seus relacionamentos, o que não significa que efetivamente você esteja infeliz no trabalho ou no seu casamento. Existem lacunas existenciais que são preenchidas somente se descobrirmos algo que nos faça feliz como pessoa, e isso é uma tarefa para quase uma vida inteira. Da maneira como a história é contada até a infelicidade, que é própria da natureza, e que é um sentimento inato no ser humano (até bebês recém nascidos ficam tristes) transforma-se num inimigo que deve ser sempre debelado. Luta inglória essa em que não há vencedor.
É bem verdade que sou daquelas que não acredita em mudanças radicais em curto espaço de tempo, e alguns anos de terapia me mostraram que às vezes andar rápido demais nos faz esquecer para onde estamos indo, mas, ainda assim, louvo qualquer forma de atitude, e aplaudo aqueles que têm coragem suficiente para sair da casca e buscar outros caminhos, pelo motivo que for, mas precisamos ir devagar, o tema é sensível demais para ser industrializado e vendido em pacotes iguais nas prateleiras da internet.