quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A Síndrome da criança malcriada


Tenho reparado que a simpatia, que sempre foi o cartão postal do povo Brasileiro, ao menos por aqui, nas minhas bandas é uma qualidade quase folclórica, longe a beça da realidade.

Li recentemente, mais instigada pela curiosidade do que pelo despeito, as razões que fizeram um norte-americano odiar morar no Brasil, e concordo com grande parte de suas observações, em especial aquela que diz que somos muito queridos com os conhecidos, embora extremamente rudes com quem não faz parte do “cercadinho vip” do nosso afeto. Há quem discorde por pura repulsa à inevitável carapuça, mas que é verdade, isso é.

Eu chamaria de síndrome da criança malcriada. Tal como quando chamamos a atenção ou repreendemos uma criança, as pessoas, atualmente, quando criticadas, sobretudo se flagradas fazendo algo errado publicamente reagem com uma selvageria inacreditável, incapazes que são de suportar uma crítica de terceiros que poderão colocar a perder a vaidade de um ego inflado. Ou inflamado de tanto egocentrismo.

Não só os preços do ramo imobiliário estão a alimentar uma bolha, os egos de nossos semelhantes também crescem em proporções assustadoras. Não aceitam ser repreendidos, e ponto final. Podem estar trafegando na contramão, ultrapassando pela pista da direita, estacionando em cima da calçada que se sentem no direito de fazê-lo, e ai de quem resolver questioná-los. Pena máxima para os advogados da lei, e não para seus infratores. Pode isso?

E há, também, o extremo oposto: quem, titular do direito, ao exercitá-lo, usar requintes de má educação, como se a razão fosse um cheque em branco e assinado para que seu portador reclame abusivamente, esquecendo-se dos princípios elementares de convívio em sociedade.

Certo dia protagonizei uma dessas cenas no metrô, e minha reação civilizada, quem diria, é que provocou surpresa alheia. Nada como anos de terapia.

 Diante do movimento de saída de uma pessoa que estava a minha frente, sentada num dos bancos, enquanto eu estava em pé, me mexi em direção ao assento que estava disponível, quando então a pessoa, de maneira mais agressiva do que o necessário, me interpelou dizendo “estou levantando para aquele senhor sentar, não você”.

Embora o assento não fosse prioridade, me sensibilizei com a atitude generosa da moça, e, claro, mantive-me na mesma posição, desculpando-me, já que não tinha como, de onde eu estava, perceber a sua intenção. O curioso da situação é que o senhor não aceitou a gentileza, e a moça ficou atônita com a atitude dele e a minha, já que esperaria, em situações normais de temperatura e pressão, receber uma resposta atrevida ou na mesma medida da sua. Calei-me depois do episódio e permaneci de pé em frente a ela por mais algumas estações para seu desespero. O desconforto era visível, ela sabia que não precisava ter sido ríspida, e meu comportamento neutralizou totalmente o excesso do comportamento dela a ponto de constrangê-la.

Penso que precisamos de mais atitudes neutralizadoras como essa, caso contrário não faltará muito para que esta panela de pressão nível máximo que coabitamos estourar de vez. E aí, salve-se quem puder.