Não sou do
tipo. Daquele tipo maníaca por arrumação. Blusas distribuídas por cores, no
estilo degradê. Sapatos enfileirados em ordem, mantimentos agrupados
milimetricamente. Gosto de ordem, mas prefiro progresso, e às vezes, para
seguir em frente, é preciso deixar um pouquinho de lado o excesso de método e
priorizar o que realmente interessa. O conteúdo no lugar da forma. Praticar o
desapego, em bom português.
Outro dia
estava vivendo uma situação de emergência, precisava sair de casa com rapidez,
e me vi escrava de um ritual simples e inútil, que costumo fazer sempre que
acordo: aquela ordem cíclica e invariável em que acordamos, escovamos os
dentes, tomamos banho, nos vestimos e por aí vai. Estava com pressa, poderia ter
queimado algumas etapas do processo que não faria diferença alguma, eu
simplesmente ganharia dez minutos se deixasse de me ensaboar duas vezes, a
primeira de baixo para cima e a segunda de cima para baixo. Como eu não estava
vindo de uma temporada em alguma área
distante do planeta com escassez de recursos hídricos ou em guerra civil com racionamento de água, o meu
banho não exigiria esforços hercúleos de limpeza, e bastaria uma simples
chuveirada para que eu estivesse pronta para outra guerra: aquela diária, para
ganhar o pão. Mas, que nada, meu inconsciente simplesmente não me deixou perceber
a inutilidade de tudo aquilo. E lá fui eu tal como uma soldada enviada numa missão secreta: não podia falhar!
Será que
preciso me tratar? Que sou mais uma vítima do TOC, o mal do século? É mais fácil
pensar assim, terceirizar a culpa, mas vejo que quem precisa de um toque somos
todos nós que nos conformamos com a zona de conforto do que nos é familiar. Mudar,
para quê? Como se mudança fosse algo negativo, sujo, vergonhoso. Quando a
mudança que é sinal de coragem, de crescimento, de ousadia.
É um exemplo
simples, o que dei acima, mas que demonstra claramente o quanto nos escondemos
naquilo que conhecemos com medo do novo, ainda que estejamos numa posição que
quase nos empurra em outra direção. Veja: eu estava atrasada, com pressa, mas
fiquei angustiada apenas em enfrentar a possibilidade de desobedecer a sequência
com a qual me acostumei. Imagine isso em perspectiva macro? Assustador, não?
Também acho. Tratemos, então, com igual urgência, de nos desacostumar, de nos desmistificar,
de nos modificar. Mudar o caminho, os hábitos, os rituais, os rumos. Ficar
igual para sempre é morrer um pouco a cada dia, e o grande barato nesta vida é
nos reinventar, senão, tem jeito, não, a onda te leva e você nem percebe que
ficou para trás.