sexta-feira, 7 de junho de 2013

Meu bem, meu mal

Sou duas, duas em uma. Mas quem me conhece, nem desconfia. Leva a anjinha e ganha uma diabinha de brinde. E as duas vivem as turras.
Logo de manhã instala-se o ringue. Começo o dia numa aurora boreal, e mal atravesso a porta de casa já escuto vozes daquela que me persegue. Ela me faz reclamar mentalmente da demora do vizinho pouco apressado que me faz aguardar no elevador por pura educação católica, me provoca tremores de profunda irritação pela conversa que sou obrigada a travar com desconhecidos familiares que cruzam meu caminho diariamente num horário em que metade dos meus músculos ainda está adormecida, e a outra é empurrada a trabalhar. Ela me faz amaldiçoar o maquinista do metrô que resolve acionar o trem assim que eu, afobada, chego a estação e o vejo partindo.
Retomo a direção dos pensamentos, e a anjinha se apresenta a função. “Bom dia”, digo a ela, mentalmente, “por onde a senhorita andou?”.
Respiro fundo e volto a pensar que o dia será produtivo, que preciso controlar meus pensamentos, que serei uma garota boazinha, que não me excederei durante o dia, mesmo que tenha razões para isso.
Ajudo uma senhorinha a subir a escada rolante, sorrio para quem me cumprimenta, e atendo uma ligação insistente no celular sem irritação. Assumo o controle e chego ao trabalho, segura e orgulhosa da minha alma elevada.
Em pouco tempo, a danadinha pisca para mim, e reina absoluta, quando preciso resolver mais problemas do que sou capaz de administrar, xingando tudo e todos que atravessaram meu caminho naquele dia.
Game over. Lá vou eu para terapia novamente.