Logo de manhã instala-se o ringue. Começo o dia numa
aurora boreal, e mal atravesso a porta de casa já escuto vozes daquela que me
persegue. Ela me faz reclamar mentalmente da demora do vizinho pouco apressado
que me faz aguardar no elevador por pura educação católica, me provoca tremores
de profunda irritação pela conversa que sou obrigada a travar com desconhecidos
familiares que cruzam meu caminho diariamente num horário em que metade dos
meus músculos ainda está adormecida, e a outra é empurrada a trabalhar. Ela me
faz amaldiçoar o maquinista do metrô que resolve acionar o trem assim que eu,
afobada, chego a estação e o vejo partindo.
Retomo a direção dos pensamentos, e a anjinha se apresenta
a função. “Bom dia”, digo a ela, mentalmente, “por onde a senhorita andou?”.
Respiro fundo e volto a pensar que o dia será produtivo,
que preciso controlar meus pensamentos, que serei uma garota boazinha, que não
me excederei durante o dia, mesmo que tenha razões para isso.
Ajudo uma senhorinha a subir a escada rolante, sorrio para
quem me cumprimenta, e atendo uma ligação insistente no celular sem irritação. Assumo
o controle e chego ao trabalho, segura e orgulhosa da minha alma elevada.
Em pouco tempo, a danadinha pisca para mim, e reina
absoluta, quando preciso resolver mais problemas do que sou capaz de
administrar, xingando tudo e todos que atravessaram meu caminho naquele dia.
Game over. Lá vou eu para terapia novamente.